quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Quem se segue... ? - Parte 2


Antes de continuar com o resto dos relatos históricos, e porque à medida que vamos caminhando para a modernidade, o que era já não é e o que é já tinha deixado de ser, há que fazer aqui uma breve pausa e abrir um parêntesis para falar sobre um tema que é… a Religião. Sim, com maíusculas. Porque não vou falar aqui desta ou daquela igreja, desta ou daquela doutrina… vou falar (ou pelo menos tentar) de toda a Religião. Os primeiros povos que podem ser considerados sedentários, precisavam de qualquer coisa que os ajudasse a explicar tudo aquilo que não conseguiam compreender. Vai daí, arranjaram uns seres superiores que até os guiavam e que de uma maneira ou outra “controlavam” as suas vidas. E então, começam a decidir oferecer sacrifícios a essas entidades que estavam para além do seu conhecimento, para os apaziguarem quando os aborreciam. Então, por cada temporada maior de chuvas, erupções vulcânicas, subidas repentinas de marés, ondas gigantescas, secas extremas, havia uma causa que era o mau feitio do homem… ora porque caçava, ora porque ia roubar a mulher ao vizinho, ora porque roubava o carro de bois ao outro e por aí fora, ou porque simplesmente… porque sim. Logo, toca a sacrificar aqui um boi que é para que o que está lá em cima e me manda a chuva feche a torneira por umas horas, e outras coisas afins. No génese destas civilizações e sociedades, houve então quem percebesse que talvez fosse melhor arranjar uma pessoa que controlasse as oferendas e os sacrifícios e ao mesmo tempo educasse as pessoas para elas aprenderem quando deviam oferecer e o quê, quando se portavam mal… pelo menos pelos padrões da época. Vão-se passando os anos, os homens vão aprendendo, começam a decidir honrar as estações do ano, os nascimentos, as mortes, a caça, a pesca, as tempestades, e por aí fora. Quando aparecem os gregos (sim… os tais que se fartaram de inventar coisas desde a matemática à política) pegam em toda esta civilização e resolvem dar-lhes nomes… E é assim que nascem as Divindades que passam a reger a vida do homem em todos os aspectos. Claro… não bastava arranjar nomes e decidir que tu te chamas assim e tu assado. E nisso tudo, toca de lhes dar uma hierarquia. Sim, um pai que gera todos os seus filhos, e como se isso não bastasse, ainda gera uns quantos bastardos que são meio humanos, que por sua vez geram outros bastardos que são heróis… e depois há histórias de traições, casamentos, decisões,e por aí fora… chamaram-lhe Panteão, mas na realidade é uma enorme tragédia grega. Com as mudanças das civilizações e as organizações, aparecem os romanos (os tais que se apunhalavam pelas costas e mudavam de imperador como quem troca hoje de camisa…). Como parecia mal estar a inventar tudo de novo, até porque os gregos já tinham tido uma enorme trabalheira com isso, toca de aproveitar os mesmos deuses, mas mudando-lhes os nomes. Havia deuses para os dias da semana, para as trovoadas, para a chuva, para a caça, para tudo e mais alguma coisa… mas… e onde pára o povo? Toda esta adoração divina viria trazer essencialmente uma nova classe na organização política que era a classe religiosa, composta por sacerdotes. E o povo, escravizado, abandonado, decididido a subjugar-se aos poderosos, limitava-se às suas adorações e dádivas nas medidas do possível.

Mas pronto… nenhum sistema é perfeito, e nesta democratização religiosa de divindades e sacerdotes, mergulhada na obscura corrupção dos sistemas e da moral e bons costumes (para a época, volto a referir) a populaça começa a perceber que afinal está na altura de se revoltar. É então que de acordo com os sábios, nasce a criança profetizada. A criança que desce à Terra para guiar os homens de novo em direcção aos seus deuses, e particularmente ao pai de todos eles, que para os sábios é o criador dos céus, mas também dos homens. Esta criança adorada por reis e pastores, por sábios e profetas, por criados e mestres, cedo se revela nos dotes proféticos tambem. Mas é temida pelos governos e particularmente pelo Governador Romano, da remota região da Judeia. A história por aqui fora revela-nos os mais sórdidos e hediondos pormenores, ao longo de anos, que são por demais conhecidos… mas na fase final da sua vida, a criança agora tornada homem, acaba por ser detido por profetizar demais. Por proteger demais e por se condoer dos padecimentos alheios. A sua enorme popularidade, acabou por se tornar a sua maior vulnerabilidade. E acabou espetado na cruz, tal como era hábito dos romanos, já que a cruxifição era uma das mais populares formas de castigo. Contra a sua própria vontade, os romanos acabariam por o tornar num mártir, e o Iesu Christo, acabaria por marcar de forma perfeitamente incontornável, o princípio dos tempos modernos. Ao contrário contudo do que pregou Jesus Cristo, os seus seguidores acabariam por tomar uma linha muito mais dura e agressiva, condenando para toda a Eternidade aqueles que, de acordo com os ensinamentos do mestre, se desviavam daquilo que era uma conduta aceitável. Produziram-se notáveis escrituras, com os ensinamentos do mestre. Mas nas ruas, a turba descontrolada lutava por aceitação e por controlo. Sendo a religião cristã maioritariamente derivada da vivência diária de escravos e povos das classes mais baixas, acabaria por se tornar violenta, como o demonstraram as queimas públicas de livros e sabedoria, especialmente no episódio do Ágora de Alexandria. O povo oprimido vingava-se agora contra aqueles que durante centenas de anos os reprimiram e escravizaram. O imperador acabaria por não ter outro remédio senão admitir e aceitar a nova religião, pregando a um único Deus, pai e criador do céu e da terra, por oposição ao enorme panteão de Deuses pagãos. Quando o Império romano se desmembra e desfaz, nos últimos suspiros, o Imperador decide converter-se ao cristianismo e tornar a religião ascendente na religião oficial do império. E é assim que Roma se torna a Capital do Cristianismo e Trono do “representante” de Deus na terra. Em cima da pedra (Petra) tumular de Pedro (Petrus) cresce o lugar de maior poder em todo o mundo. Mas os sacerdotes precisam de uma hierarquia, e é assim que nasce uma espécie de rei entre os sacerdotes, e que é o Papa. Assim, no lugar em que dantes se encontravam sábios e profetas, ficam apenas sacerdotes. Despachados para os 4 cantos do mundo conhecido, disponibilizam-se para ensinar Reis e comuns sobre os mistérios da vida e da morte, sobre o Céu e o Inferno, e sobre as profecias do fim do mundo. O medo, mantém as pessoas unidas, e acaba por converter aos milhares os povos sucessivamente “evangelizados”. E aquilo que foi a época do conhecimento, abre a época às trevas e ao obscurantismo da Idade Média. Os “descontrolados” são inquiridos e “julgados” por um tribunal próprio chamado “Santa Inquisição” que de santa tinha muito pouco…

Claro que uma igreja desta forma repressiva e controladora acabaria por ter revoltosos no seu interior – a história é cíclica e repete-se – e depois de anos de brutal opressão, acabariam por passar a ser os opressores… especialmente às doutrinas do conhecimento e do livre pensamento. Todas estas voltas e reviravoltas acabariam por ter o seu preço, e ele é sobejamente conhecido da História. Revoluções, contra-revoluções e revoltas. Caças às bruxas, fogueiras, perseguição dos “infiéis”. A primeira Cruzada europeia, juntando vários cavaleiros ligados a ordens religiosas ajuda a libertar a Europa do domínio árabe. Ou assim nos fazem acreditar. Porque se livrou um povo de um ocupante pacífico que desenvolveu enormes conhecimentos e ajudou a um notável desenvolvimento de técnicas de agricultura, pecuária, olaria… ? Nunca o saberemos verdadeiramente. Mas os cavaleiros tinham sede de terras e de poder, e com o inestimável apoio vindo do assento papal em Roma, ninguem se atrevia a fazer-lhes frente. Uma assinatura de um Papa era o suficiente para fazer um Rei ou tirá-lo do trono. E povo atrás de povo, subjugava-se ao poder divino de Roma. E ao passar o tempo, Deus foi sendo substituído pelo seu “representante” na terra… Poder gera corrupção. Moral e não só. O controlo excessivo das populações acabaria por levar a que por centenas de anos se matasse e morresse em nome de Deus. E claro que a religião outrora oprimida acabaria por se tornar na de maior representatividade na Europa.

É com os Descobrimentos e com a expansão marítima, principalmente por parte de portugueses, espanhóis e ingleses que a religião cristã se torna difundida pelo mundo. O poder divino que “criava” Reis, criou entre outros a Dinastia Filipina Espanhola, profundos cristãos, devotos no seu poder a ponto de loucura. É um destes Filipes que cria e lança contra a Inglaterra livre pensadora a célebre (não pelas melhores razões) Armada Invencível. Destinada a vergar a Inglaterra ao poder de Roma – Henrique VIII tinha suspendido a religião, mantendo-a mas substituindo o lugar maior do papa pelo do Rei Inglês – a Armada é lançada de Espanha, e acabaria por dar a Filipe a mais vergonhosa derrota naval da história de Espanha. No entanto, a sede do trono papal nem se veria beliscada, e acabaria por ter de “engolir” o sapo inglês.

São inúmeras as histórias religiosas, mas no nosso “cantinho à beira mar plantado”, a relação entre o trono Português e o Vaticano data da fundação do próprio Reino, com o Papa a reconhecer D.Afonso I como legítimo Rei de Portugal. E segue, sem quaisquer beliscões ou tentativas subversivas de se desviar do poder divino. Nem mesmo durante o período em que Portugal esteve sob o domínio Espanhol isso se fez sentir. E o fervor lusitano foi sempre tão grande e tão devotado, que tal como em muitos outros lados, acabaria por se entregar com uma animosidade à sua devoção, ao ponto de se dizer que o país é abençoado.

Em 1640, é um Rei pretendente, apoiado pela burguesia e por muitos campos da nobreza que promete no seu Solar, que se ganhar a Coroa de Portugal, a sua devoção a fará entregar a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal, proclamando-a Rainha de Portugal.

Devoção, crença ou fé, a verdade é que os “Filipes” foram corridos de Portugal, e o trono voltou para mãos lusas, pela família Bragança, que deu assim início à 4ª Dinastia. E a coroa foi entregue à “Rainha dos Céus”, para que reinasse sobre Portugal, e como promessa, a partir desse momento, jamais Rei algum no Trono de Portugal viria a usar coroa. Esta promessa continuaria até 1910, época em que o Regime Monárquico tem o seu derradeiro golpe, e é instaurada a 1ª República. Esta época conturbada e interessante da nossa história ficará para o próximo post, que este já vai bastante longo…

P.S.: Da escrita deste meu post, não sobressai, mas que fique claro que da religião, sei o que me ensinaram, num país supostamente laico. A minha instrução permitiu-me questionar-me e continuar naturalmente a questionar os meus ensinamentos, pois só sabendo se pode perceber o meio que nos rodeia e envolve. Não me considero Ateu, mas Agnóstico. A Ciência ainda não me responde a todas as perguntas (talvez esteja perto disso), mas também considero que não é obrigatório existir um céu e um inferno. E o homem pode viver a sua existência sem Deus, mas acreditando numa Entidade não nomeada, num Ser Superior… no que desejar… porque no fim de contas, é por isso que nascemos e morremos livres… até à próxima.

4 comentários:

João Roque disse...

Tu não escreves muito aqui no blog, mas quando escreves, vale mesmo a pena ler-te.
Excelente!
Parabéns!!!

Sérgio disse...

um país constitucionalmente laico mas que nem sempre é assim tão laico

Fernanda Antim disse...

Faço minhas as palavras do Pinguim! eheheh
Mas é claro, como sempre, escreves com muita clareza e acima de tudo conhecimento!
Obrigada pela partilha e vai escrevendo sempre muito e bem!:))

the winter is coming! disse...

Pois, para não repetir o que foi dito, terei de fazer também minhas as palavras do Pinguim;excelente texto quer pela escrita ou abordagem simultâneamente inteligente e acessível para compreensão do tema!
Continua a dar-nos o prazer destes textos;Obrigado e Parabéns!!!
MF.