segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Quem se segue...? - Parte 3


A vida portuguesa renova-se no século XVII. Depois de três Reis espanhóis, a corte portuguesa volta a afirmar o seu régio (e religioso) poder. Depois do domínio Filipino de 1581 a 1640, reergue-se D.João IV, rei Restaurador. Movido por uma fé inabalável em N.Sra. da Conceição, promete à virgem coroá-la caso reconquiste a lusa coroa, coroa essa que nenhum rei da Dinastia de Bragança voltará a usar. O Régio gesto de D.João IV fê-lo ganhar apoiantes junto da Nobreza indecisa entre Madrid e Lisboa, que assim o ajudam a restaurar o poder. Após a vitória da Restauração (feriado agora – injustamente – eliminado da lista) em 1 de Dezembro de 1640, o Rei empossado coroa a virgem e o gesto faz com que a Igreja Secular deposite enormes esperanças num tão católico e devoto Rei, concedendo-lhe o apoio espiritual necessário para garantir o trono face ao “inimigo” Espanhol. O fanatismo em torno do Rei Restaurador foi de tal forma intenso que fez renascer o mito do “Sebastiansmo”, de que o jovem rei, desaparecido em Alcácer-Quibir estava de volta para libertar os lusos do jugo espanhol, responsável por uma elevação do espírito nacionalista e patriótico.
Toda a evolução patriótica acaba por levar ao estabelecimento de uma monarquia absoluta em Portugal, bem ao estilo da Corte de Versalhes. Inicia-se a construção do Palácio de Queluz, nos arredores de Lisboa, e a meio caminho entre a Capital do Reino e a Zona de Lazer Real de Sintra. Apesar de o absolutismo português não ser comparável com o francês, principalmente, elevou uma figura à capacidade de marcar todo o período histórico, e que foi o caso de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal. Favorito de D. José I, que o chama a desempenhar as funções de primeiro ministro, Pombal usa o seu poder e influência sobre o Rei para chamar a si o poder régio. Oriundo da baixa Nobreza, e tendo subido à custa do seu génio, acabou por criar inúmeras crispações na corte. Ficariam bem marcados na história processos como o dos Távoras, que culminou com a morte de toda a família, julgada por traição à Pátria e ao Rei, e com a inutilização de todas as suas terras e a erradicação do nome Távora. Tais comportamentos de Pombal, ansioso por cada vez mais poder aumentaram o medo que as populações tinham de si, assim como lhe garantiram um inimigo de grande influência, a Infanta D.Maria, filha de D.José I, e que acabaria ela própria por ascender ao trono. Contudo, a grande obra de Pombal acabaria por ser a reconstrução de Lisboa após o grande Terramoto de 1755. Totalmente devastada por um abalo telúrico no dia de Todos os Santos, ao qual se seguiu um maremoto que varreu “do cais das naus ao rossio”, Lisboa ficou completamente em ruínas. Então, Pombal ordena “que se enterrem os mortos e cuidem os vivos”, e dá início ao plano de reconstrução da parte baixa da cidade. Como resposta à Igreja, que inicia a pregação de que o terramoto é fruto da ira divina contra as políticas de D.José I e de Pombal, este último desenha um traçado de ruas, e define uma arquitectura que incluindo as igrejas, as “esconde” no meio de construções destinadas a habitação e a comércio. Como resposta aos que afirmaram tratar-se de uma ofensa, Pombal acabaria por responder que “tal se baseava em proporções que colocavam a igreja, a população e a corte ao mesmo nível, sem favorecimentos de qualquer espécie”. Com a morte do Rei D.José I, é a sua filha D.Maria que sobe ao trono, tomando como primeira medida o afastamento de Pombal da Corte, dizendo-lhe que não voltasse a pôr os pés em terras de Lisboa. Em todos os anos que lhe restaram, em terras de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo regressaria uma última vez à capital, e quando o fez, poisou os pés numa caixa com terra de Pombal, cumprindo assim o disposto pela Rainha.
D. Maria I, a Pia de cognome, viria a tornar-se conhecida pelas suas chorudas ofertas à Igreja e aos pobres, justificadas por uma necessidade de expiar dessa forma os pecados cometidos pelo seu pai, e “comprar” a benção da sua alma. Toda a esmola, contudo, não a impediria de ficar louca, e ter de ser afastada do trono pelo seu próprio filho D.João VI. O jovem rei, acaba por ter uma feroz prova de fogo com as invasões francesas, penetrando no território de Portugal. Apoiadas pelo Rei espanhol, as tropas de Napoleão não tiveram qualquer dificuldade em atingir as fronteiras de Portugal. Caídas peças fundamentais das defesas portuguesas, como os bastiões de Trancoso e especialmente Almeida, onde os comandantes, favoráveis às tropas francesas (e mesmo ligados à corte de Napoleão por casamentos e laços familiares) permitiram que as defesas capitulassem quase sem resistência, a incursão dos franceses no território nacional foram sendo cada vez maiores, tendo a defesa lusa apresentado bons resultados na Batalha do Buçaco. Contudo, as tropas de Napoleão, sedentas de conquistas, invadem o território cada vez com maior intensidade, levando o rei e toda a corte a fugir para o Brasil e estabelecer a capital do Reino no Rio de Janeiro. Com a Família Real segura, e com o apoio das tropas inglesas (conseguido graças ao secular acordo entre Portugal e o Reino Unido) a resistência organiza-se. Não conseguem no entanto travar as forças gaulesas na sua incursão pelo vale do Tejo, e a sua passagem por Abrantes. É nessa altura que se estabelecem as defensivas “Linhas de Torres”. Acaba por ser às portas de Lisboa que se vai dar a viragem na Guerra Peninsular. Estabelecem-se as linhas defensivas no Alto do Parque Eduardo VII, e a organização da Resistência, com o apoio dos Quarteis Lisboetas, nomeadamente o Quartel do 4º Destacamento de Infantaria, em Campo de Ourique. Com as fragatas inglesas estacionadas na boca do Tejo, e os canhões dispostos em Almada e Vila Franca, as tropas francesas sofrem a primeira de várias derrotas, que os levam a serem expulsos do território nacional.
Com a rechaça das tropas de Napoleão e o regresso da Família Real à Pátria Lusitana, D. João VI, entretanto muito debilitado acaba por falecer, deixando o trono a ser disputado pelos seus filhos D. Pedro e D. Miguel. D.Pedro ascende primeiro ao Trono, e acaba por ser forçado a depôr pelo seu irmão D.Miguel, de índole puramente conservadora. D. Pedro IV, acaba assim por ser expulso de Portugal, fugindo para o Brasil e em fúria proclama a Independência, nas margens do Rio Ipiranga. Casado com D.Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, estabelece na ex-colónia portuguesa uma forte influência com a casa Real Austríaca, que assim estende o seu domínio sobre a Europa. D. Miguel, contudo não consegue também reinar por muito tempo, e acaba por lhe suceder D.Maria II, a Educadora. Segue-se D. Pedro V. E D. Luís I, que acaba por ser o percursor da modernidade em Portugal. Inaugurado ainda nos tempos de D.Pedro V, o Caminho de Ferro tem o seu maior desenvolvimento durante o Reinado de D.Luís. Partindo de Lisboa, de uma estação nada central com o nome de Caes dos Soldados, os carris espalham-se um pouco por toda a parte, mas garantindo uma função: ligar a capital à segunda maior cidade do país (Porto) e à fronteira espanhola, através de uma linha central estruturadora, e com um entroncamento próximo do local da Ponte da Pedra (hoje Entroncamento). E as linhas férreas vão-se desenvolvendo, e é no Reinado de D.Carlos I que se estabelecem alguns dos terminais que ainda hoje conhecemos (muitos dos quais vão já definhando e apodrecendo, mas falarei disso noutra entrada). É precisamente numa dessas viagens de inauguração que se dá o acontecimento que viria a alterar dramaticamente a história de Portugal.
Mas antes desse acontecimento, que deixarei para o fim desta entrada, cabe aqui falar um pouco mais sobre D.Carlos I. O Rei foi desde cedo considerado muito inteligente mas dado a extravagâncias. O seu reinado foi caracterizado por constantes crises políticas e consequente insatisfação popular. Logo no início, a aliança secular com o Reino Unido treme, quando a Coroa Britânica apresenta a Portugal o Ultimato de 1890. Destinado a que Portugal desocupe os terrenos compreendidos entre Angola e Moçambique, para que o Reino Unido possa manter uma constante rota protegida pelos ingleses entre o Cairo e o Cabo, caso contrário ficaria forçado a uma Guerra. Com o país numa eminente situação de bancarrota, D. Carlos não se pode dar ao luxo de entrar em guerra com o velho aliado, e assim entrega as áreas solicitadas pelo Reino Britânico. Este movimento, apesar de significar paz para o Reino, abalou os alicerces da sólida relação entre os dois países, ao mesmo tempo que deu aos republicanos em operação na sombra, motivos para responsabilizar a coroa e exigir a queda do regime. Estala então a revolta republicana do 31 de Janeiro, no Porto que apesar de não ter tido sucesso mostrou haver inúmeros operacionais republicanos muito activos no país, dispostos a tudo para mudar um regime centenário.
A falta de líderes carismáticos em Portugal (um problema que se veio a manter e que se mantém…) levou a uma desagragação progressiva dos partidos tradicionais. É em 1901, época em que Lisboa inaugura a primeira linha de Carros Eléctricos, e o ascensor de Santa Justa, que se forma o Partido Regenerador Liberal, chefiado por João Franco, nascido do Partido Regenerador. Em 1905 uma segunda dissidência, desta vez do Partido Progressista, quando José Maria Alpoim entra em ruptura e funda a Dissidência Progressista. Ao contrário do movimento de João Franco, esta nova cisão parece ter sido motivada apenas pelas ambições pessoais do seu líder, e a dissidência progressista vai acabar por juntar-se a movimentos conspirativos com o Partido Republicano. No meio de toda esta turbulência política, cai mais um governo liderado por Hintze Ribeiro e o Rei decide chamar João Franco para formar governo. Suporta então inúmeros problemas e crises, especialmente a greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e a crescente agitação social, que culminam com o retirar do apoio parlamentar dos progressistas e a demissão de inúmeros ministros, por temerem que João Franco fortalecesse o seu partido à custa do deles. Ao mesmo tempo, a alternância já existente nas Câmaras de Deputados, fazia com que contassem ser chamados a formar governo assim que Franco caísse. Enganaram-se redondamente, pois D. Carlos vai tomar uma atitude diferente do que se esperava, dando o seu firme apoio a João Franco.
A oposição (tanto republicana como monárquica) lança então uma forte campanha contra o governo, envolvendo o Monarca, acusando-o de governar em Ditadura. Lança-se assim um período que vem a ficar conhecido na História de Portugal como a 1ª Ditadura ou Ditadura Franquista. No contexto de uma tentativa de normalização do Estado, são marcadas eleições para o parlamento que poriam fim à ditadura administrativa então vivida. E é neste contexto que republicanos e dissidentes progressistas se decidem a usar a força levando a cabo uma tentativa de Golpe de Estado em Janeiro de 1908.
Neste início de ano, D. Carlos parte com toda a família para Vila Viçosa, capital ancestral dos Bragança. É aí que se reúne pela última vez com todos os seus amigos intímos, para uma caçada. E é então que ocorre  a tentativa de golpe de Estado, fracassada por pronta acção do governo. São imediatamente presos António José de Almeida, o dirigente carbonário Luz Almeida, o jornalista João Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos, e Álvaro Poppe. Com os seus líderes em reclusão, a liderança do movimento recai sobre Afonso Costa, que acaba por ser apanhado, junto com outros conspiradores no Elevador da Biblioteca, de onde contavam chegar à Câmara Municipal. Ainda houve mais manifestações e desordens um pouco por toda a cidade de Lisboa que acabam por ser contrapostas e controladas pela polícia. Então, João Franco decide ir mais longe e prepara para que o rei assine, um decreto prevendo o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de todos os indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública, o que se aplicaria também aos revoltosos republicanos. João Franco leva o decreto ao rei, que o assina ainda em Vila Viçosa, e ao assiná-lo, diz aos presentes: "Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram."
A 1 de Fevereiro de 1908, a família real regressou a Lisboa, aproveitando já a linha férrea que então se estendia até Vila Viçosa. À saída de Évora a locomotiva avaria-se e D. Amélia, antevendo algo, diz ao Rei que aquilo poderia ser um mau presságio e que deveriam voltar a Vila Viçosa. Depois de resolvidos os problemas o comboio seguiu até ao Barreiro, de onde apanharam um vapor para o Terreiro do Paço. Ali eram esperados por membros do governo e da corte. Após os habituais cumprimentos, a família real subiu para uma carruagem aberta em direcção ao Palácio das Necessidades. A carruagem com a família real atravessou o Terreiro do Paço, onde foi atingida por disparos vindos da multidão que se juntara para saudar o rei. D. Carlos I, que morreu imediatamente, após ter sido alvejado. O herdeiro D. Luís Filipe foi ferido mortalmente e o infante D. Manuel ferido num braço. Os autores identificados do atentado foram Alfredo Costa e Manuel Buíça. Os assassinos foram mortos no local por membros da guarda real e reconhecidos posteriormente como membros do movimento republicano.
Segue-se no trono um debilitado D.Manuel II, que tenta em vão acalmar os ânimos, mas sem qualquer tipo de sucesso. A sua primeira acção foi a demissão imediata de João Franco, a conselho das cortes, nomeando como primeiro ministro Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
Sucede-se então uma crise política sem precedentes em Portugal. Em dois anos sucedem-se sete governos. E é em Outubro de 1910 que se lança uma verdadeira revolução em Portugal, seguida da Proclamação da República a 5 do mesmo mês. As tropas fiéis aos revolucionários republicanos, tinham já bombardeado o Palácio das Necessidades, então residência oficial do Monarca, no dia 4 de Outubro, forçando D. Manuel II a retirar para Mafra, onde se lhe juntam a sua esposa e a Rainha Mãe D. Amélia. Na madrugada do dia 5 de Outubro, embarcam na Ericeira com destino ao Porto. Contudo, o navio é desviado para Gibraltar, onde o monarca deposto acaba por desembarcar, dando início ao seu exílio em território inglês. O seu último acto patriótico foi o de legar ao Estado português, os seus bens por altura da sua morte, pedindo apenas como contrapartida a possibilidade de ser sepultado em território português, desejo que lhe viria a ser concedido por altura da sua morte súbita, por Salazar.
Nota final, é com a morte de D.Manuel II que termina oficialmente a monarquia em Portugal, ainda que o regicídio tenha sido, sem dúvida o episódio que mais marcou o final da Dinastia de Bragança e o posto fim a cerca de oito séculos de reis portugueses e espanhóis. O exílio de D. Manuel II, a ascensão de movimentos operários, e o advento da 1ª República, acabariam por modificar profundamente a sociedade portuguesa já então atrasada em vários séculos face às congéneres europeias. É a acção de vários homens, mas principalmente de Alfredo Costa, que vem modificar a política portuguesa e o regime estabelecido. O autor que vos escreve estas linhas, através deste blog, é apenas um familiar distante quase uma centena de anos deste Alfredo Costa. O homem que das suas mãos disparou a República e fez mudar um país profundamente necessitado de mudança. Mas a memória deste homem, amado por republicanos, odiado por monárquicos, está hoje profundamente apagada, e nas novas gerações poucos há que o lembrem, e menos ainda os que como ele, seriam capazes de morrer por um ideal. Por um ideal de mudança, e por um ideal que permitisse revolucionar e regenerar o estado podre de coisas em que vivemos. 

2 comentários:

João Roque disse...

Os meus parabéns!!!
Magnífica lição de História de Portugal, desde o século XVII até à implantação da República.
Devia ser partilhado para toda a gente poder ler.
Espero que publiques este texto, quer no Google+, quer no FB.

Ricardo Costa disse...

Obrigado pelo comentário pinguim :) Já está o link partilhado, espero é que haja muita gente que o possa / queira ler.