A vida portuguesa renova-se no
século XVII. Depois de três Reis espanhóis, a corte portuguesa volta a afirmar
o seu régio (e religioso) poder. Depois do domínio Filipino de 1581 a 1640,
reergue-se D.João IV, rei Restaurador. Movido por uma fé inabalável em N.Sra.
da Conceição, promete à virgem coroá-la caso reconquiste a lusa coroa, coroa
essa que nenhum rei da Dinastia de Bragança voltará a usar. O Régio gesto de
D.João IV fê-lo ganhar apoiantes junto da Nobreza indecisa entre Madrid e
Lisboa, que assim o ajudam a restaurar o poder. Após a vitória da Restauração
(feriado agora – injustamente – eliminado da lista) em 1 de Dezembro de 1640, o
Rei empossado coroa a virgem e o gesto faz com que a Igreja Secular deposite
enormes esperanças num tão católico e devoto Rei, concedendo-lhe o apoio
espiritual necessário para garantir o trono face ao “inimigo” Espanhol. O
fanatismo em torno do Rei Restaurador foi de tal forma intenso que fez renascer
o mito do “Sebastiansmo”, de que o jovem rei, desaparecido em Alcácer-Quibir
estava de volta para libertar os lusos do jugo espanhol, responsável por uma
elevação do espírito nacionalista e patriótico.
Toda a evolução patriótica acaba
por levar ao estabelecimento de uma monarquia absoluta em Portugal, bem ao
estilo da Corte de Versalhes. Inicia-se a construção do Palácio de Queluz, nos
arredores de Lisboa, e a meio caminho entre a Capital do Reino e a Zona de
Lazer Real de Sintra. Apesar de o absolutismo português não ser comparável com
o francês, principalmente, elevou uma figura à capacidade de marcar todo o
período histórico, e que foi o caso de Sebastião José de Carvalho e Melo,
Marquês de Pombal. Favorito de D. José I, que o chama a desempenhar as funções
de primeiro ministro, Pombal usa o seu poder e influência sobre o Rei para
chamar a si o poder régio. Oriundo da baixa Nobreza, e tendo subido à custa do
seu génio, acabou por criar inúmeras crispações na corte. Ficariam bem marcados
na história processos como o dos Távoras, que culminou com a morte de toda a
família, julgada por traição à Pátria e ao Rei, e com a inutilização de todas
as suas terras e a erradicação do nome Távora. Tais comportamentos de Pombal,
ansioso por cada vez mais poder aumentaram o medo que as populações tinham de
si, assim como lhe garantiram um inimigo de grande influência, a Infanta
D.Maria, filha de D.José I, e que acabaria ela própria por ascender ao trono.
Contudo, a grande obra de Pombal acabaria por ser a reconstrução de Lisboa após
o grande Terramoto de 1755. Totalmente devastada por um abalo telúrico no dia
de Todos os Santos, ao qual se seguiu um maremoto que varreu “do cais das naus
ao rossio”, Lisboa ficou completamente em ruínas. Então, Pombal ordena “que se
enterrem os mortos e cuidem os vivos”, e dá início ao plano de reconstrução da
parte baixa da cidade. Como resposta à Igreja, que inicia a pregação de que o
terramoto é fruto da ira divina contra as políticas de D.José I e de Pombal,
este último desenha um traçado de ruas, e define uma arquitectura que incluindo
as igrejas, as “esconde” no meio de construções destinadas a habitação e a
comércio. Como resposta aos que afirmaram tratar-se de uma ofensa, Pombal
acabaria por responder que “tal se baseava em proporções que colocavam a
igreja, a população e a corte ao mesmo nível, sem favorecimentos de qualquer
espécie”. Com a morte do Rei D.José I, é a sua filha D.Maria que sobe ao trono,
tomando como primeira medida o afastamento de Pombal da Corte, dizendo-lhe que
não voltasse a pôr os pés em terras de Lisboa. Em todos os anos que lhe restaram,
em terras de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo regressaria uma última
vez à capital, e quando o fez, poisou os pés numa caixa com terra de Pombal,
cumprindo assim o disposto pela Rainha.
D. Maria I, a Pia de cognome,
viria a tornar-se conhecida pelas suas chorudas ofertas à Igreja e aos pobres,
justificadas por uma necessidade de expiar dessa forma os pecados cometidos
pelo seu pai, e “comprar” a benção da sua alma. Toda a esmola, contudo, não a
impediria de ficar louca, e ter de ser afastada do trono pelo seu próprio filho
D.João VI. O jovem rei, acaba por ter uma feroz prova de fogo com as invasões
francesas, penetrando no território de Portugal. Apoiadas pelo Rei espanhol, as
tropas de Napoleão não tiveram qualquer dificuldade em atingir as fronteiras de
Portugal. Caídas peças fundamentais das defesas portuguesas, como os bastiões
de Trancoso e especialmente Almeida, onde os comandantes, favoráveis às tropas
francesas (e mesmo ligados à corte de Napoleão por casamentos e laços
familiares) permitiram que as defesas capitulassem quase sem resistência, a
incursão dos franceses no território nacional foram sendo cada vez maiores,
tendo a defesa lusa apresentado bons resultados na Batalha do Buçaco. Contudo,
as tropas de Napoleão, sedentas de conquistas, invadem o território cada vez
com maior intensidade, levando o rei e toda a corte a fugir para o Brasil e
estabelecer a capital do Reino no Rio de Janeiro. Com a Família Real segura, e
com o apoio das tropas inglesas (conseguido graças ao secular acordo entre
Portugal e o Reino Unido) a resistência organiza-se. Não conseguem no entanto
travar as forças gaulesas na sua incursão pelo vale do Tejo, e a sua passagem
por Abrantes. É nessa altura que se estabelecem as defensivas “Linhas de
Torres”. Acaba por ser às portas de Lisboa que se vai dar a viragem na Guerra
Peninsular. Estabelecem-se as linhas defensivas no Alto do Parque Eduardo VII,
e a organização da Resistência, com o apoio dos Quarteis Lisboetas,
nomeadamente o Quartel do 4º Destacamento de Infantaria, em Campo de Ourique.
Com as fragatas inglesas estacionadas na boca do Tejo, e os canhões dispostos
em Almada e Vila Franca, as tropas francesas sofrem a primeira de várias
derrotas, que os levam a serem expulsos do território nacional.
Com a rechaça das tropas de
Napoleão e o regresso da Família Real à Pátria Lusitana, D. João VI, entretanto
muito debilitado acaba por falecer, deixando o trono a ser disputado pelos seus
filhos D. Pedro e D. Miguel. D.Pedro ascende primeiro ao Trono, e acaba por ser
forçado a depôr pelo seu irmão D.Miguel, de índole puramente conservadora. D.
Pedro IV, acaba assim por ser expulso de Portugal, fugindo para o Brasil e em
fúria proclama a Independência, nas margens do Rio Ipiranga. Casado com D.Maria
Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, estabelece na ex-colónia portuguesa
uma forte influência com a casa Real Austríaca, que assim estende o seu domínio
sobre a Europa. D. Miguel, contudo não consegue também reinar por muito tempo,
e acaba por lhe suceder D.Maria II, a Educadora. Segue-se D. Pedro V. E D. Luís
I, que acaba por ser o percursor da modernidade em Portugal. Inaugurado ainda
nos tempos de D.Pedro V, o Caminho de Ferro tem o seu maior desenvolvimento
durante o Reinado de D.Luís. Partindo de Lisboa, de uma estação nada central
com o nome de Caes dos Soldados, os carris espalham-se um pouco por toda a
parte, mas garantindo uma função: ligar a capital à segunda maior cidade do
país (Porto) e à fronteira espanhola, através de uma linha central
estruturadora, e com um entroncamento próximo do local da Ponte da Pedra (hoje
Entroncamento). E as linhas férreas vão-se desenvolvendo, e é no Reinado de
D.Carlos I que se estabelecem alguns dos terminais que ainda hoje conhecemos
(muitos dos quais vão já definhando e apodrecendo, mas falarei disso noutra
entrada). É precisamente numa dessas viagens de inauguração que se dá o
acontecimento que viria a alterar dramaticamente a história de Portugal.
Mas antes desse acontecimento,
que deixarei para o fim desta entrada, cabe aqui falar um pouco mais sobre
D.Carlos I. O Rei foi desde cedo considerado muito inteligente mas dado a
extravagâncias. O seu reinado foi caracterizado por constantes crises políticas
e consequente insatisfação popular. Logo no início, a aliança secular com o
Reino Unido treme, quando a Coroa Britânica apresenta a Portugal o Ultimato de
1890. Destinado a que Portugal desocupe os terrenos compreendidos entre Angola
e Moçambique, para que o Reino Unido possa manter uma constante rota protegida
pelos ingleses entre o Cairo e o Cabo, caso contrário ficaria forçado a uma
Guerra. Com o país numa eminente situação de bancarrota, D. Carlos não se pode
dar ao luxo de entrar em guerra com o velho aliado, e assim entrega as áreas
solicitadas pelo Reino Britânico. Este movimento, apesar de significar paz para
o Reino, abalou os alicerces da sólida relação entre os dois países, ao mesmo
tempo que deu aos republicanos em operação na sombra, motivos para
responsabilizar a coroa e exigir a queda do regime. Estala então a revolta
republicana do 31 de Janeiro, no Porto que apesar de não ter tido sucesso
mostrou haver inúmeros operacionais republicanos muito activos no país,
dispostos a tudo para mudar um regime centenário.
A falta de líderes carismáticos
em Portugal (um problema que se veio a manter e que se mantém…) levou a uma
desagragação progressiva dos partidos tradicionais. É em 1901, época em que
Lisboa inaugura a primeira linha de Carros Eléctricos, e o ascensor de Santa
Justa, que se forma o Partido Regenerador Liberal, chefiado por João Franco,
nascido do Partido Regenerador. Em 1905 uma segunda dissidência, desta vez do Partido
Progressista, quando José Maria Alpoim entra em
ruptura e funda a Dissidência Progressista. Ao contrário do
movimento de João Franco, esta nova cisão parece ter sido motivada apenas pelas
ambições pessoais do seu líder, e a dissidência progressista vai acabar por
juntar-se a movimentos conspirativos com o Partido Republicano. No meio de toda
esta turbulência política, cai mais um governo liderado por Hintze Ribeiro e o
Rei decide chamar João Franco para formar governo. Suporta então inúmeros
problemas e crises, especialmente a greve académica de 1907 na Universidade de
Coimbra e a crescente agitação social, que culminam com o retirar do apoio
parlamentar dos progressistas e a demissão de inúmeros ministros, por temerem
que João Franco fortalecesse o seu partido à custa do deles. Ao mesmo tempo, a
alternância já existente nas Câmaras de Deputados, fazia com que contassem ser
chamados a formar governo assim que Franco caísse. Enganaram-se redondamente, pois
D. Carlos vai tomar uma atitude diferente do que se esperava, dando o seu firme
apoio a João Franco.
A oposição (tanto republicana
como monárquica) lança então uma forte campanha contra o governo, envolvendo o
Monarca, acusando-o de governar em Ditadura. Lança-se assim um período que vem
a ficar conhecido na História de Portugal como a 1ª Ditadura ou Ditadura
Franquista. No contexto de uma tentativa de normalização do Estado, são
marcadas eleições para o parlamento que poriam fim à ditadura administrativa
então vivida. E é neste contexto que republicanos e dissidentes progressistas
se decidem a usar a força levando a cabo uma tentativa de Golpe de Estado em
Janeiro de 1908.
Neste início de ano, D. Carlos
parte com toda a família para Vila Viçosa,
capital ancestral dos Bragança. É aí que se reúne pela última vez com todos os
seus amigos intímos, para uma caçada. E é então que ocorre a tentativa de golpe de Estado, fracassada por
pronta acção do governo. São imediatamente presos António José de Almeida, o dirigente carbonário
Luz Almeida,
o jornalista João Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos,
e Álvaro Poppe. Com os seus líderes em reclusão, a liderança do movimento recai
sobre Afonso Costa,
que acaba por ser apanhado, junto com outros conspiradores no Elevador da Biblioteca,
de onde contavam chegar à Câmara Municipal. Ainda houve mais manifestações e
desordens um pouco por toda a cidade de Lisboa que acabam por ser contrapostas
e controladas pela polícia. Então, João Franco decide ir mais longe e prepara
para que o rei assine, um decreto prevendo o exílio para o estrangeiro ou a
expulsão para as colónias, sem julgamento, de todos os indivíduos que fossem
pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública, o que se aplicaria também
aos revoltosos republicanos. João Franco leva o decreto ao rei, que o assina
ainda em Vila Viçosa, e ao assiná-lo, diz aos presentes: "Assino a minha
sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram."
A 1 de Fevereiro
de 1908,
a família real regressou a Lisboa, aproveitando já a linha férrea que então se estendia
até Vila Viçosa. À saída de Évora a locomotiva avaria-se e D. Amélia, antevendo
algo, diz ao Rei que aquilo poderia ser um mau presságio e que deveriam voltar
a Vila Viçosa. Depois de resolvidos os problemas o comboio seguiu até ao Barreiro,
de onde apanharam um vapor para o Terreiro do Paço. Ali eram esperados por
membros do governo e da corte. Após os habituais cumprimentos, a família real
subiu para uma carruagem aberta em direcção ao Palácio das Necessidades. A carruagem com
a família real atravessou o Terreiro do Paço, onde foi atingida por
disparos vindos da multidão que se juntara para saudar o rei. D. Carlos I, que
morreu imediatamente, após ter sido alvejado. O herdeiro D. Luís Filipe foi ferido
mortalmente e o infante D. Manuel ferido num braço. Os autores identificados
do atentado foram Alfredo Costa e Manuel Buíça.
Os assassinos foram mortos no local por membros da guarda real e reconhecidos
posteriormente como membros do movimento republicano.
Segue-se no trono um debilitado
D.Manuel II, que tenta em vão acalmar os ânimos, mas sem qualquer tipo de
sucesso. A sua primeira acção foi a demissão imediata de João Franco, a
conselho das cortes, nomeando como primeiro ministro Francisco Joaquim Ferreira
do Amaral.
Sucede-se então uma crise
política sem precedentes em Portugal. Em dois anos sucedem-se sete governos. E é
em Outubro de 1910 que se lança uma verdadeira revolução em Portugal, seguida
da Proclamação da República a 5 do mesmo mês. As tropas fiéis aos
revolucionários republicanos, tinham já bombardeado o Palácio das Necessidades,
então residência oficial do Monarca, no dia 4 de Outubro, forçando D. Manuel II
a retirar para Mafra, onde se lhe juntam a sua esposa e a Rainha Mãe D. Amélia.
Na madrugada do dia 5 de Outubro, embarcam na Ericeira com destino ao Porto.
Contudo, o navio é desviado para Gibraltar, onde o monarca deposto acaba por
desembarcar, dando início ao seu exílio em território inglês. O seu último acto
patriótico foi o de legar ao Estado português, os seus bens por altura da sua
morte, pedindo apenas como contrapartida a possibilidade de ser sepultado em
território português, desejo que lhe viria a ser concedido por altura da sua
morte súbita, por Salazar.
Nota final, é com a morte de
D.Manuel II que termina oficialmente a monarquia em Portugal, ainda que o
regicídio tenha sido, sem dúvida o episódio que mais marcou o final da Dinastia
de Bragança e o posto fim a cerca de oito séculos de reis portugueses e
espanhóis. O exílio de D. Manuel II, a ascensão de movimentos operários, e o
advento da 1ª República, acabariam por modificar profundamente a sociedade
portuguesa já então atrasada em vários séculos face às congéneres europeias. É
a acção de vários homens, mas principalmente de Alfredo Costa, que vem
modificar a política portuguesa e o regime estabelecido. O autor que vos
escreve estas linhas, através deste blog, é apenas um familiar distante quase
uma centena de anos deste Alfredo Costa. O homem que das suas mãos disparou a
República e fez mudar um país profundamente necessitado de mudança. Mas a
memória deste homem, amado por republicanos, odiado por monárquicos, está hoje
profundamente apagada, e nas novas gerações poucos há que o lembrem, e menos
ainda os que como ele, seriam capazes de morrer por um ideal. Por um ideal de
mudança, e por um ideal que permitisse revolucionar e regenerar o estado podre
de coisas em que vivemos.
2 comentários:
Os meus parabéns!!!
Magnífica lição de História de Portugal, desde o século XVII até à implantação da República.
Devia ser partilhado para toda a gente poder ler.
Espero que publiques este texto, quer no Google+, quer no FB.
Obrigado pelo comentário pinguim :) Já está o link partilhado, espero é que haja muita gente que o possa / queira ler.
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